Colunista Susana Rodrigues (Resíduos-Recolha): Projecto LIFE PAYT

De facto, os países do sul da Europa estão muito longe da experiência dos países da europa central e do norte, onde a implementação de sistemas PAYT está vulgarizada, implicando uma redução média de cerca de 10% da quantidade total de resíduos produzidos e um aumento da reciclagem em mais de 60%. No relatório final do estudo encomendado pela Comissão Europeia à bipro, de Novembro de 2015, onde são avaliados os sistemas de recolha selectiva de 28 capitais europeias, destaca-se a implementação de sistemas PAYT como um dos pilares fundamentais para o aumento da recolha selectiva e cumprimento das metas europeias.

O projecto agora lançado ambiciona “desenvolver metodologias pioneiras que possam depois ser exportadas para regiões similares na Europa” para reduzir os custos com a recolha e tratamento de resíduos por parte das autarquias, contribuindo para a sua sustentabilidade económica. Assenta no desenvolvimento de um modelo de tarifação mais justo para o produtor de resíduos, encorajando a adopção de práticas de prevenção, separação e deposição selectiva.

Este projecto vem assim dar continuidade a outras iniciativas municipais para a introdução do princípio do poluidor-pagador através de sistemas PAYT, como é o caso da Maiambiente, EMARP, Óbidos ou de Guimarães, dos sistemas em alta, como a Lipor e Resialentejo, ainda em fase de projecto.

Não tenho muitas dúvidas sobre a importância que a implementação destes sistemas tem, que neste momento surgem como a principal ferramenta para a recuperação de custos através dos tarifários municipais, e para aumentar a adesão à recolha selectiva em Portugal, cumprindo assim com as metas estabelecidas pela UE.

Mas estará o sector de resíduos preparado para a sua implementação? Esta foi uma questão que já aqui coloquei, num artigo anterior, e que espero que este novo projecto possa ajudar a responder.

Diferentes questões têm constituído barreiras à implementação destes sistemas em Portugal:

  • Apesar dos esquemas de pagamento de resíduos em função da produção terem, em teoria, vantagens inquestionáveis, a aplicação de uma nova estrutura tarifária pode envolver a alteração de comportamentos da população e contestação pública perante a cobrança de um serviço anteriormente percepcionado como “gratuito” ou “já pago pelos impostos”. A ERSAR preconiza a gradual conversão do tarifário numa componente fixa (ou de “serviço base”), e introdução de uma componente variável do tipo PAYT, mas esta conversão deve ser acompanhada por um enorme esforço de sensibilização da população.
  • As alterações e investimentos necessários em equipamentos e softwares são também uma barreira a ultrapassar: existem necessidades de reconfiguração associadas aos equipamentos de recolha que constituem desafios para os técnicos e fabricantes. Em Portugal, é muito comum existir mais que um sistema de recolha num mesmo município, o que torna a implementação de um sistema PAYT complexa, por envolver soluções tecnológicas diversas. Concretizando, o sistema de recolha “de proximidade” baseado em contentores de deposição colectiva (o mais comum a nível nacional), pode evoluir para a introdução de um sistema PAYT pela identificação do utilizador (com sacos ou etiquetas pré-pagos), enquanto que nos municípios que utilizam sistemas de recolha porta-a-porta deve implementar-se um modelo PAYT com base em contentores individuais contratados.
  • Há ainda que considerar a complexidade técnica e legal associada à gestão e controle de bases de dados de informação dos utentes, que obrigam à criação de sistemas de informação que garantam que a factura do serviço seja paga em função da quantidade de resíduos efetivamente produzida em cada habitação ou por cada utilizador, através da identificação de todos os produtores de resíduos, tipologia habitacional, e registos sistemáticos da quantidade produzida, entre outros.
  • A qualidade do serviço é também uma questão, uma vez que as coberturas de serviço oferecidas à população, isto é, a acessibilidade física do serviço (proximidade dos alojamentos aos equipamentos de deposição de resíduos) é diferente para os contentores de deposição indiferenciada e de deposição selectiva (vulgo “ecopontos”): se não for garantida a mesma comodidade de acesso aos equipamentos de deposição selectiva e indiferenciada, dificilmente se poderá implementar um PAYT.
  • Existem ainda questões formais e de logística particulares do nosso país que devem ser analisadas:  salvo alguma excepções, a recolha selectiva é tipicamente realizada pelos sistemas plurimunicipais, em “alta”, enquanto que a recolha indiferenciada é gerida pelos municípios, em “baixa”. Importa analisar se não é altura de pensar globalmente na cadeia de valor e acabar com a “segregação” das recolhas – selectiva e indiferenciada e dos correspondentes custos e proveitos, determinante no sucesso de um PAYT.

Concluindo, sem dúvida que a implementação alargada do PAYT é o impulso que necessitamos em Portugal. O maior ou menor sucesso desta implementação depende de respostas adequadas às questões locais de cada sistema de recolha. Importa envolver todos os detentores de interesse na avaliação da estrutura tarifária a aplicar e do ponto de partida para a recuperação de custos, assim como na selecção do modelo técnico que melhor se adapta ao sistema de recolha em funcionamento e finalmente do tipo de comunicação que se irá utilizar junto da população. O projecto que será agora apresentado em Lisboa poderá assim constituir um incentivo importante para tornar o PAYT numa realidade nacional, cujos resultados devem ser potenciados por todos os intervenientes do sector.

Susana Sá e Melo Rodrigues é licenciada em Engenharia do Ambiente pelo Instituto Superior Técnico (IST/UTL) e tem uma pós-graduação em Gestão Integrada e Valorização de Resíduos da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT/UNL), onde está a desenvolver o seu doutoramento em Ambiente, centrado na análise dos sistemas de recolha de resíduos. É membro do grupo de investigadores da FCT/UNL, Waste@Nova e do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, centrando a seu trabalho de investigação na área de Gestão de Resíduos. Iniciou a sua actividade profissional no Instituto da Água, onde foi membro da Comissão de Acompanhamento da Directiva-Quadro da Água. Foi consultora na área de projecto e de fiscalização ambiental de empreitadas na FBO – Consultores, S.A. (DHV international), e de 2004 a 2014 trabalhou na HPEM – empresa municipal de Sintra responsável pela recolha de resíduos urbanos e limpeza pública, como Gestora do Departamento de Planeamento e posteriormente nos SMAS de Sintra. Exerceu funções EcoAmbiente, S.A., como Directora do Departamento Técnico e Comercial, estando actualmente na Luságua – Serviços Ambientais, S.A., como Coordenadora da Área de Resíduos. A autora não segue, por opção, o novo acordo ortográfico.

Noticia original publicada em AmbienteOnline.